Quando começo a passar à escrita as memórias de mais uma caminhada, de forma recorrente recordo:
“O Mundo Maravilhoso” de Miguel Torga:
Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite.
e a “A nossa Vida…Ítaca” de Konstantinos Kaváfis
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
De facto sempre soube (ou quase…), que aquilo que vemos e sentimos é produto do que somos e pensamos e da realidade que observamos. Faço o paralelo com a ciência da metrologia, cousa de engenheiros e de físicos, que sabe muito bem que o instrumento utilizado afeta o resultado da medição…
Recordo também o livro que mais me impressionou e que li em 1980, “O Senhor dos Aneis” do Tolkien, a partir do qual nunca mais olhei para os montes, as serras, as florestas, as árvores, os rios do mesmo modo! Os seres mágicos andam lá… Hobbits, Elfos, duendes, trolls, anões, bruxas, fadas, seres encantados, já vistos e nunca vistos… e tudo mais, em perfeita união com toda a vida que se assiste, as plantas, as árvores, os pássaros, os animais, os povos do antigamente, agora espíritos deste mundo que habitam as ruínas de edificações ancestrais e muitas vezes representados pelas formas curiosas das pedras… Quando lá estamos, todos nos rodeiam, todos nos ouvem… Que mundo encantado para construir e partilhar com os meus netos quando puderem ir comigo! Mal de nós se deixamos morrer a criança que está cá dentro…
Caminhar na natureza é também um exercício físico (de preferência esforçado…) de autoavaliação, muitas vezes de superação, mas também de imersão nesse mundo encantado, mais ou menos imaginativo e que se deseja prolongado… à medida do ritmo da vivência de cada um…
A caminhada que fizemos no passado dia 21 de Outubro seguiu o percurso PR 5 – Trilho do Guerreiro com início e fim no Boticas Parque (que merece a visita!), em plena Serra do Barroso. Foram palmilhados 19 km, em parte ao longo do Rio Beça, o restante em caminhos rurais e de montanha, com passagem pela aldeia de Vilar e com subida ao Castro do Outeiro Lesenho, sito em monte com o mesmo nome, a 1078 metros de altitude, e onde se alojam as ruínas de uma povoação castreja da época do Bronze, uma das principais que se conhece no noroeste peninsular e conhecida por ter sido lá encontrado o maior conjunto de estátuas galaico-romanas de guerreiros, estando uma réplica aí colocada a "vigiar" todo o horizonte.
E um tempo magnífico de Outono… (o nosso guia tem trato com o S. Pedro…), céu de nuvens, por vezes com uns raios dum sol envergonhado, vento fraco de sudoeste, neblinas nas cumeadas, uns pinguitos raros, uma visibilidade imensa.
E se o contacto com a natureza da serra e do interior é já de encher a alma, o contacto com as pessoas da terra não o é menos… conversamos com um casal que olhava embebecido para as suas vacas a pastar num prado, com as senhoras que lavavam a roupa no tanque da aldeia, com o pastor que connosco se cruzou a levar o seu gado e que quase nos arrastava para sua casa para provarmos o seu vinho… boa conversa, gente bem disposta, gente boa, gente que nos tira da máquina citadina de moer…
E se desta caminhada a história dos 11 caminheiros Boas Solas que nela participaram rezará, dos 8 que ficaram para dormida em Boticas, outras histórias se podem acrescentar! Jantar na famosa Taverna Ti João (obrigado Sr. João, atendimento, gastronomia!), estadia no Hotel Boticas Art & SPA (perfeito!, quarto, instalações, serviço, simpatia, boas vindas e agradecimento com postal personalizado, parabéns e obrigado!), visita ao Centro de Artes Nadir Afonso e aos jardins de Boticas, visita ao Museu Escola em Ribeiro da Pena onde nos sentamos em carteiras idênticas às que utilizamos na escola primária (os de maior idade…), partilhando histórias antigas, e por fim e já a caminho de casa, uma deliciosa prato feito de milho moído, grelos e carnes de diversas na Adega Regional Escondidinho em Mondim de Basto, que nos surpreendeu também pela qualidade e novidade do repasto, simpatia e eficácia no atendimento!
E como dizem os Boas Solas a qualquer momento e ao mínimo pretexto (ou não…): Bom Ano!
1 comentário:
Espetacular! Boas fotos e belas caminhadas!
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